Minhas três moiras.

Dizem que sempre o primeiro acaba marcando. E, ao menos pela minha perspectiva de vida, tento fazer sempre da primeira algo no mínimo, memorável. Não havia tema melhor, nem conceito melhor, nem material melhor, e nem um resultado final melhor. Peço primeiro que considerem que esta é a minha primeira pintura, e mesmo eu desenhando desde quando eu me entendo por gente (dias atrás encontrei um desenho meu de uma pessoa "linguiça" de minha autoria de quando eu tinha três anos. Sim, eu nunca passei pela fase de homem-palito...) a pintura é algo novo, difícil, e está sendo um inferno trocar linhas por massas de cor.

Vou postar imagens aqui de como foi o caminho para se chegar no resultado final. Será um post grande, peço desculpas, mas está cheio de imagens também. Clique nas imagens para ampliar.


1 - A escolha do tema
Não foi algo aleatório. Sou um amante da mitologia grega desde os tempos de onde eu tive com elas meu primeiro contato, no anime Saint Seiya. Sim, mitos gregos sempre estão com alguma coisinha relacionados a mim, desde o nome do blog, até dessa vez, quadros. Gosto de todo tipo de mitos de religiões, não sou discriminatório também. Minha primeira tentativa de um quadro, por exemplo, foi fazer uma versão da Adoração dos Magi, baseado na Bíblia Cristã. Gosto muito também do hinduísmo, e pretendo fazer algum dia algo grande relacionado a ele. Cristinianismo também de berço, e ultimamente estou lendo algumas coisas relacionadas ao Quran. Esse desenho foi um esboço primário do primário, creio que nem imaginava direito em fazer quadro disso. Não foi o primeiro, mas isso foi depois de fazer uma pesquisa comparativa entre as Parcas, Moiras e Norns.


2 - O tal do mito
Moirae, ou Moerae (grego: Μοῖραι) é um trio de deusas gregas, que compõem juntas um dos muitos Conceitos personificados, da Mitologia Grega. Também são chamadas de "O Destino". Moirae é o correto de falar no plural, e Moira é o singular. Três donzelas que têm funções distintas: a primeira é Clotho (grego: Κλωθώ), a fiandeira. Ela tem o objetivo de tecer o fio da vida, criando assim um ser. Os romanos a chamavam deNona (pelo fato de crianças nascerem aos nove meses de gestação). A segunda é Lakhesis (grego:Λάχεσις), a determinante. Esta por sua vez determina o tamanho do fio, que corresponde a vida total do indivíduo e sorteia as bençãos ou maldições da pessoa em vida. Nossos amigos latinos a chamam deDecima. Por fim temos Atropos (grego: Ἄτροπος), a inevitável. A terceira tem como função cortar o fio da Lakhesis e determinar a morte do indivíduo. Ela anda com uma lâmina e corta o fio usando isso. Esse desenho aqui foi um dos primeiros rascunhos que sobreviveram. Eu tenho um fichário entupido de desenhos, e muitos desses eu apago e uso a folha. É um hábito meu, e tem alguma digamos, superstição no meio... De fazer brotar numa folha de um desenho que não deu certo, um desenho quedê certo. Bom, de desenho que eu abandonei, já tenho um fichário cheio deles...



3 - Experiências de mamãe
Bom, aqui foi uma parte mais chata. Minha mãe é pintora, mas isso ela faz mais como artesanato do que para arte mesmo. Ela adora fazer paisagens, a grande maioria campestre sem uma única pessoa, e no mínimo uma árvore. Fez um curso há algum tempo de pintura, e ela adora usar tintura a óleo. Eu particularmente não suporto o bendito do óleo e seu cheiro faz meu nariz coçar até cair, talvez alguma alergia que eu desconheça. Como já mexi uma vez com acrílica num trabalho de pintura na época do colégio que ela praticamente fez tudo pra mim (tivemos que fazer uma Monalisa. Eu fiz com ela uma pintura dela em forma de mangá. Perguntei pra ela onde foi parar o quadro depois que recebi a nota, e ela me disse que viu o quadro na secretaria da minha antiga escola, todo emoldurado, conservado e lá... Que honra, heim?). Ela sempre me falou que fazer pessoas é algo muito difícil, e ela tem até hoje um painel que uma amiga dela fez de uma mulher nua de costas, que além de ser belíssimo, ficou muito bem acabado. Ela começou mesmo a fazer arte foi depois da faculdade, quando fez algumas releituras do grande Claude Monet, e alguns paineis que não sejam de árvores ou flores (entre eles teve uma cidade um tanto abstrata que eu adoro). Pessoa mesmo ela nunca fez, exceto uma vez um autoretrato pra faculdade, mas até hoje acho que ela esconde porque não saiu lá muito fiel... Ficou laranja.


4 - Rascunhos preliminaresMas eu tinha em mente que ia fazer as Moirae e não tava nem aí, heheh... Fui então em busca do bom e velho grafite, uma folha de papel e comecei a rabiscar pra ver se chegava a uma forma, um perfil, ou apenas "alguma coisa". Achei algumas artes medievais sobre as Moiras, e inclusive algumas atuais (acreditem: ainda tem alguns artistas que fazem arte ainda relacionadas às Moirae, principalmente nos países Nórdicos na Europa). Já havia definido a composição: as três iriam aparecer juntas, e a ordem seria da esquerda pra direita. Gosto muito de usar as palavras da grande Fayga Ostrower, o qual eu li alguns de seus livros sobre arte e adorei: lemos imagens também da esquerda pra direita. Vide o quadro "Anunciação" de Leonardo Da Vinci, onde vemos o Anjo Gabriel na esquerda e Maria na direita. Há uma ordem de leitura aí, primeiro você vê o anjo anunciando a Maria que irá dar luz ao filho do Criador. O quadro não seria tão óbvio se as personagens fossem invertidas. Parece um tanto elementar, mas colocar as Moirae na ordem histórica faz muito mais sentido do que deixá-las espalhadas por aí. No desenho, reparem que ainda tinha uma noção mais fotográfica da composição do quadro, porém todas estão na ordem. Não reparem, mas o desenho foi feito antes de eu fazer a pesquisa mais aprofundada do mito, apenas tinha escolhido o mito. Nenhuma delas condizem com o real, exceto talvez a Clotho que está com um fio. Lakhesis está tecendo e Atropos só deus sabe o que ela faz...


5 - Personagens & Adversidades
Foi num dia no Senac que eu cheguei mais cedo que todas as respostas vieram. A escolha de fazer todas as personagens na mesma unidade espacial, do mesmo tamanho, altura e um tanto modular. Defini que, se eu quisesse guiar o olhar de quem visse teria que ser pelos elementos de fundo. A questão seria então o rosto. Havia definido apenas a Naiara, minha melhor amiga, como Clotho. As duas eu tinha duas candidatas, porém as abandonei, pois não fariam tanto sentido. Guardei o rascunho, e semanas depois já estava fazendo o desenho do sexto item. Antes porém, gastei um dos meus últimos salários do meu antigo emprego de professor de inglês pra ir na Marquês de Itu, próximo da Praça da República, comprar tintas acrílicas, telas, pincéis e tudo mais. Ainda trouxe tudo de metrô e condução no ônibus mesmo! A tela 70 X 35 seria a escolhida, só faltava fazer uma versão definitiva em papel do que iria alí.


6 - Último rascunho
Foi então que em meados de setembro peguei uma folha A3 e tracei lá e desenhei na escala 1:2, metade do que seria no quadro oficial pintado. Defini então as duas garotas que faltavam. A Naiara como Clotho era certa, como a grande amiga que é, consigo me reconstruir e ser eu mesmo apenas e só com ela. A Angela eu já estava apaixonado e começando a namorar com ela, e a coloquei no centro, como se fosse a garota que mais representasse pra mim o "querer viver, e querer ser feliz". Por último, uma garota que eu conheci há muito, muito tempo, me apaixonei por ela, tivemos um rolo forte, a magoei infelizmente, porém quem ficou sentido fui eu mesmo. Conheci a depressão, a morte e outras coisas más. Mesmo hoje depois de tanto tempo ainda sofro de vez em quando por ter feito ela triste e todas as coisas idiotas que fiz e nunca ter tido a chance de pedir desculpas à ela. Ainda hoje, por mais idiota que pareça, são as palavras de desprezo que ela escreveu pra mim que não apenas ao reler faz-me triste, mas de alguma forma me faz tentar recomeçar. Não vou falar o nome, afinal ela mandou eu esquecer ela de vez, e me fez prometer que nunca mais choraria por nada nessa vida. Que seria forte até o fim, que continuaria minha vida e que tentaria ser feliz.

Chega de falar dos rascunhos. Lhes apresento orgulhosamente a pintura final:



Alain de Paula - Minhas três Moiras, 2007. Acrílica sobre tela. 70 x 35 cm


Dá pra brincar passeando o olho em alguns detalhes do quadro. Coloquei alguns de propósito, outros não. Primeiramente o céu. Foi a única cor que eu de fato gostei, além da pele da Lakhesis (centro). Outra coisa proposital é o jogo das curvas que sempre direcionam para a Lakhesis. Desde o templo grego em ruínas com duas diagonais apontando pra ela, até o monte do lado direito. Não me perguntem dessa pilastra - Ordem Jônica, entre a Clotho (esquerda) e a Lakhesis (centro). Chamou muito a atenção, até em demasia. A nuvem acima de Lakhesis é proposital mesmo, afinal ela é o meu anjo. A pinta dela também não é um erro, ela tem de facto essa pinta aí no queixo. =)

A Clotho (esquerda) eu a retratei ruiva, mas ela não é ruiva. Na verdade, dependendo da luz fica um castanho avermelhado, era essa sim a intenção. Mas a Naiara não é ruiva, mas quando eu a conheci ela tinha um cabelo mais avermelhado. E como ela é uma donzela que eu sempre me lembro do seu sorriso, a retratei sorrindo.

Lakhesis (centro) tem a roupa mais clara, além dela ter linhagem oriental legítima, tem pele amarelada para tanto. Os olhos na pintura não saíram tão puxados como na vida real, e os cabelos ficaram cheios mesmo porque eu queria mesmo, pra ficar mais feminina e dar um ar de mulherão. E um sorriso, vamos dizer, mais tímido, que apenas os orientais sabem dar. Meu irmão disse que ela ficou muito feia. Quase o surrei. Não é porque ele não gosta de garotas de olhos puxados que tem que desrespeitar, além do mais a Angela é muito linda.

Por fim a Atropos (direita) que falaram que ficou a minha cara. Primeiramente: não sou eu. Já vou esclarecer, porque ouvir que a Gioconda é versão feminina da Da Vinci já me vale pra sérias complicações gastro-intestinais. Retratei-a séria, com um olhar um tanto perdido, que ela sempre teve. Os dedos estão em forma de lâmina, mostrando onde ela corta o fio da vida. Ficou meio diferente, e poucos diriam que é aquela que comigo mais tempo viveu de facto. Pra mim, foi ela que mais foi fiel à pessoa real. Esse olhar frio, de alguma forma ela me fez muito forte, e acho que nem mesmo uma vida inteira me fará superar seu falecimento... Porque teve que ser desse jeito?

No final das contas, tenho que admitir que deu um bom trabalho. Comecei fazendo o fundo, e quando fui partir pra Clotho cometi vários deslizes, que me fez abandonar o quadro e ficar dois meses sem pintar e ficar deprimido ao vê-lo daquele jeito. Ao voltar, logo depois que as férias começaram resolvi termina-lo, e em dois dias apenas o concluí, pintando as três Moirae. A técnica não é lá grande coisa, mas ao pintar o quadro, senti que estava ali eternizando três damas que mudaram minha vida, e talvez ainda continuem a mudar.

Todas elas são importantes, e cada uma tem um aspecto simbólico em minha vida, em meu passado, presente e futuro. É como um ciclo - uma me destrói, uma me reconstrói, e uma me faz seguir em frente. Mesmo que talvez daqui a cinco, dez, quinze anos eu olhe pra esse quadro e talvez não tenha mais significado algum, lembrarei de três donzelas, que mesmo sendo pessoas tão distintas, tendo relações tão diferentes comigo, de facto existiram, e mesmo do jeito delas, fizeram parte da minha vida, e não poderia encontrar maneira melhor de homenagear as três damas do que dedicar às três a minha primeira pintura.

Acho que estou ficando louco. Pendurei o quadro no quarto, e ao acordar e ligar a luz virei pra elas e disse: "Bom dia, meninas!!".

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